Pessimismo com a economia afeta vendas no comércio

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Enviado por milenan@usp.br em ter, 22/09/2015 - 10:11

Na última década, as classes menos favorecidas tiveram um aumento no poder de compra e conseguiram colocar em prática antigos projetos, como financiar um imóvel, comprar um carro zero ou fazer faculdade. O ciclo virtuoso na economia teve início em 2006, depois passou por um período de estabilização e no final de 2011 começou a se desfazer. De lá para cá, as incertezas sobre o futuro econômico do país deixaram o brasileiro mais cauteloso. O período de euforia do consumo passou.

Hoje, o consumidor está com um pé atrás. A falta de confiança na economia deixa as pessoas com receio de gastar. Antes de fazer um crediário para adquirir um bem durável, o brasileiro pensa duas vezes se terá condições de pagá-lo. Com os índices de emprego caindo, inflação e alta nos juros, ninguém mais está seguro em relação à sua renda futura. 

O ânimo do consumidor vem refletindo diretamente no comércio, que hoje vive dias bem difíceis. A mais recente pesquisa do Provar (Programa de Administração do Varejo) sobre a “Intenção de Compra no Varejo” aponta o mais baixo índice desde 2002. A expectativa de consumo para o 3º trimestre de 2015 (julho-agosto-setembro) ficou em 44,4%, enquanto em 2011, no período de euforia, ela chegou a 78%. Esta pesquisa é realizada trimestralmente no município de São Paulo com cerca de 500 pessoas.

“Uma coisa é o consumidor estar com medo. Outra coisa é ele conhecer alguém que perdeu o emprego ou uma empresa que deu férias coletivas. Aí ele se retrai mais ainda. Então, mesmo podendo comprar, ele fica com medo, pois não sabe se vai conseguir pagar”, analisa o professor Nuno Fouto, do departamento de Administração (EAD), diretor de Estudos e Pesquisas do Provar, para quem as coisas não devem melhorar no curto prazo, mesmo que a inflação seja controlada e haja aumento da renda. Para o docente, seria preciso que o Brasil estivesse crescendo no mínimo 3% ao ano.

Na hora do aperto, o consumidor reduz primeiramente os gastos com viagens. De acordo com a pesquisa, neste trimestre, os entrevistados pretendiam gastar apenas 4,8% de seu orçamento em turismo, contra os 12,8% verificados no mesmo período do ano passado, uma queda de 8 pontos percentuais. Os eletroeletrônicos também foram afetados, com uma queda de 5,4 pontos percentuais. A intenção de gastos que era de 9% caiu para 3,6%. Já vestuários e calçados apresentaram variação negativa de 2,8 (de 20,8% para 18%), enquanto no item materiais de construção a queda foi de 2,6 (de 7,8% para 5,2%).

Linha branca e móveis são os setores menos atingidos.

A perda do poder aquisitivo do consumidor também fica evidente quando menos pessoas afirmam que estão conseguindo poupar. No segundo trimestre de 2015, apenas 16,6% dos entrevistados conseguiram guardar dinheiro, enquanto no mesmo período de 2014 o índice era de 24,2%. E dos que estão conseguindo poupar, a quantidade é menor: enquanto a média era R$ 1.800/mês agora gira em torno de R$ 1.190.

Outro indicador é que está sobrando menos dinheiro, no mês, para novas compras. Enquanto há um ano sobravam 11% no orçamento mensal para gastos extras, nesse trimestre a folga no orçamento foi de apenas 6%.  “Isso também é um indicador de que não tem gordura. Tem muito pouco fôlego”, constata Fouto. 

O maior comprometimento da renda do consumidor atualmente, segundo o levantamento, é com educação (29%), seguido por crediário (22,5%), alimentação (17,3%), habitação (10,1%), transporte (7%), saúde e cuidados pessoais (4,7%) e vestuário (3,2%). O professor Nuno Fouto chama a atenção para o nível de endividamento do consumidor, que hoje representa 22,5% do orçamento. “Não dá para a gente aumentar o consumo, aumentando o endividamento”.  

A pesquisa “Intenção de Compra no Varejo” também investiga a expectativa do consumidor em relação ao emprego. O medo do desemprego está muito grande neste trimestre: 48,9 %. No mesmo período do ano passado era de apenas 1,9%. “Quando você tem receio em relação ao emprego, você não consome, você fica mais restritivo”, alerta Nuno Fouto.

Classes menos favorecidas

A crise econômica está afetando a população como um todo, mas as classes menos favorecidas têm menos condições de se proteger contra a inflação. “Toda a vez que se tem uma inflação relativamente elevada, os estratos socioeconômicos mais baixos são os mais afetados pelo aumento dos preços”, analisa o Prof. José Afonso Mazzon (EAD), um dos autores do Critério de Classificação Econômica Brasil. 

Segundo Mazzon, quanto mais baixa a classe social, maior é a participação do orçamento global do domicílio em gastos com alimentação. E a inflação no setor de alimentos 
e bebidas cresceu bastante de 2009 para 2015, de acordo com o docente. Na região Centro-Oeste, a alta foi de 61,2%, enquanto na região Norte-Nordeste variou 63,4% e na região Sudeste-Sul subiu 62,9%. 

Além de pagar um produto com um preço mais elevado, o trabalhador enfrenta outro problema: a queda no salário. “Você vê uma quantidade enorme de empresas fazendo acordos de redução de horas de trabalho com redução no salário nominal. A pessoa passa a receber menos”, afirma o professor José Afonso Mazzon.  
Em relação ao futuro da economia, Mazzon acredita que tudo é cíclico. “Não existe na história econômica, nenhum mal que persista para sempre”. Mas reconhece que estamos vivendo um período extremamente difícil, talvez o pior desde que o Plano Real 
foi criado. 

Fonte: Gente da FEA - Setembro 2015

Autora: Cacilda Luna